segunda-feira, 30 de julho de 2012

Distopia brasileira

Naquela noite, o então ministro da cultura, Michel Teló, pontuava alguns dos marcos de sua carreira, como o reconhecimento internacional e o título de maior brasileiro de todos os tempos (embora tenha omitido o fato de ter ficado na 72ª colocação).

O discurso preparava o terreno para anunciar seu mais novo projeto social, em parceria com o governo federal. O “Eu te amo e open bar para todos” garantiria a inclusão de cachaça (agora patrimônio histórico e cultural do Brasil) e Viagra na cesta básica e acesso a esses itens para famílias que recebessem até um salário mínimo.

Nada disso me importava nesse momento, precisava terminar o texto ainda hoje. Peguei o controle remoto e passei pelo canal do tempo, passei pelo Big Brother International, Big Bother Macaé (esses regionais não me interessavam a princípio, mas cresciam muito recentemente), Big Brother GLBT, Big Brother dos famosos, Big Brother Retrô, Big Brother Cult até chegar ao Big Brother 365, a grande competição que duraria até o fim do ano e mobilizava a maior audiência.

Precisava fazer a resenha do capítulo e publicá-la tão logo a edição acabasse. A maior e mais importante publicação do país, a Revista EGO, e seus leitores, não poderiam esperar. Para ganhar agilidade, o segredo era escrever à medida que as coisas iam acontecendo. Se acabasse cedo, poderia até adiantar um freela de criação de memes.

O problema era a nova reforma ortográfica, proposta por Tiririca, então ministro da educação, e sancionada pela presidência da república. Boa parte das consoantes havia sido cortada do português brasileiro e isso ainda me causava dificuldades de adaptação. Era o que alguns antigos chamavam de “axeízação do alfabeto”.  

Fui salvo pelo mais eficaz dos efeitos estimulantes, a pressão do último momento, o fim do prazo. Escrevi a matéria rapidamente (que não deveria ultrapassar 70 caracteres segundo as normas de boas práticas na internet móvel. Ninguém lia mais que isso) e toquei meu indicador engordurado sobre o botão “publicar” sob o vidro do visor.

Auê até amanhecê.
Auê e fuzuê. - E aí, ai ai ui ui! - Af, é o ó. Oi, oi, oi. Oi, oi, oi.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

# Coisas mais improváveis do mundo




Robervaldo (pseudônimo para preservar a identidade da fonte) é um homem que já teve o emprego que muitos homens gostariam de ter. Robervaldo é ex-ator de filme pornô. Ao longo (um dos pré-requisitos para o cargo) de sua carreira, Robervaldo gozou de inúmeros benefícios que o setor proporcionava. Robervaldo transou em pé, transou deitado, de lado, inclinado, em público em feiras eróticas, em gravidade zero e de baixo d’água.

Atuou como jardineiro, policial, bombeiro, chefe de escritório, mas se divertia mesmo interpretando entregadores de pizza, pois tentava fazer um sotaque italiano que aprendeu assistindo “O Rei do Gado”. Fez ménage, fez com Monange, fez com Solange e mais uma, e mais duas.  

Logo, viu-se numa certa idade que o obrigaria a aposentar-se. Mesmo conseguindo realizar todas as fantasias sexuais possíveis, Robervaldo continuava a sentir um vazio existencial, e constatou que o sentido da vida não era esse. Estava cansado daquela vida, queria buscar algo novo, algo que nunca tivera a chance de experimentar, algo que fizesse a vida valer a pena. Mas depois de tanto sexo, poucas coisas pareciam excitantes ou estimulantes novamente. Pensou em se suicidar.

Num ato de desespero, mandou um vídeo para participar da vigésima segunda edição do BBB. Em outro ato de desespero, Boninho achou que colocá-lo na casa seria a solução definitiva para tentar fazer com que o programa voltasse a medir o mesmo índice no Ibope das primeiras edições e para que finalmente rolasse relações explícitas, tal qual nas versões europeias do Big Brother. Isso era algo que Boni sempre sonhou e tentou estimular de todas as maneiras possíveis, mas nunca conseguiu.

Robervaldo, porém, teve uma visão inspiradora e resolveu virar pastor. Na casa, pregava contra as impurezas do mundo e tentava converter os outros participantes, na tentativa de conseguir que lhe fossem doadas algumas Estalecas.

Irritado, Boninho edita todos os programas para exibir apenas declarações controversas e polêmicas de Robervaldo, que logo é eliminado. Por contrato, é obrigado a ficar participando do programa da Ana Maria, Faustão, Vídeo Show, e sua carreira é abordada exaustivamente pela Sônia Abrão e fotos de ele atravessando a rua ou indo à praia são postadas diariamente no EGO. Suicida-se.

Na tentativa de aliviar o estresse, Boninho abre seu notebook e desabafa no Twitter. Vira Trending Topic. Ao ser informado sobre o feito, resolve conferir a lista de assuntos mais comentados e nota que hoje é #Lingerieday. 

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Poesia Matemática




Vi que vão tirar o site do Millôr do ar em breve. Quando isso acontecer, você não vai mais ter acesso a genialidades como essa:

Poesia Matemática
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a, do Ápice à Base,
uma figura ímpar:
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo octogonal, seios esferóides.
Fez da sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa." 
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. 
E enfim resolveram se casar,
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes 
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia. 
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos. 
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária. 
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade 
como aliás em qualquer
sociedade.
Millôr Fernandes
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